Robert Ribeiro: O tirsense das mil caras
Um baixista tirsense a tocar no estrangeiro para 10 mil pessoas, um autor de um projeto que permite leigos fazerem música, um agente de bandas e técnico de som que corre toda a europa e... um educador de infância? O que têm estas pessoas em comum? Nada. Mas Robert é todas elas.
De Santo Tirso para a Alemanha, de baixista a produtor de música. A vida do tirsense Robert Ribeiro deu uma volta de 180º quando numa madrugada de 10 de julho em 2006 apanhou um voo para Freiburg.
Agora, o jovem comanda um movimento vanguardista musical: um projeto em que ninguém é excluído dessa coisa mágica que é criar música.
O conceito está aí, a orquestra está montada e já existem vários intérpretes para este mundo novo de oportunidades que existe na Alemanha... à conta de um português... de Santo Tirso.
“Multitracks”? Já ouviu falar? Provavelmente ainda não, mas é um conceito que promete trazer as massas para a música.
Afinal quem não gosta dessa coisa que parece conseguir separar o tempo e o espaço? Robert quis partilhar o direito a esta paixão com todos, e de forma ativa.
No seu projeto todos são convidados a participar lançando inputs, músicas, esboços, ideias, o que quer que seja. O projeto é depois curado pelo próprio e partilhado com o mundo.
É um conceito que está ainda numa fase experimental, mas que pode replicar-se por várias zonas do globo, tal como um viajante apaixonado, o que na verdade, Robert sempre foi.
O projeto “Multitracks” da autoria do tirsense, abarca três etapas. Uma é a de recolha de ideias, cujo tema principal nesta edição é “o significado da música”. Trata-se de um acervo que será compilado e partilhado digitalmente. O “Sampler” será uma espécie de arquivo de sons. Das músicas enviadas, 3 produtores escolherão uma composição, ou um conceito e gravarão, cada um deles, uma profissionalmente.
A terceira fase é a realização de um documentário que mostrará o processo criativo do “Multitracks” em estúdio.
O projeto tem a sua data de conclusão para o final deste ano, sendo que o “Sampler” será exposto já em outubro.
O “MULTITRACKS” DO HOMEM MULTIFACETADO
Robert Ribeiro fez parte do quarteto FedUp74, a única banda tirsense que no estrangeiro conseguiu ter uma assistência num concerto de 10 mil pessoas. Nascido em Genebra em 1985, filho de pai português e mãe inglesa, Robert Ribeiro viveu na Suíça até aos 9 anos. Esteve 11 anos em Lama (Além Rio) e mais tarde decidiu emigrar para a Alemanha.
As suas viagens não acabaram e viveu sempre a vida de um nómada. Para além de educador de infância, onde conduz uma experiência social que pretende entender em idade prematura o talento natural dos mais novos, é também músico, produtor musical, road manager e técnico de som. A sua vida é um autêntico frenesim, e em cenários normais, raramente está mais do que duas semanas na mesma cidade. É a adrenalina que o move e o fez visitar toda a europa.
Mas por trás deste homem do mundo, está um rapaz que estudou e teve a sua formação na ARTAVE no Instituto Nun' Alvres, onde aprendeu a tocar contrabaixo e onde a rigidez do estudo da música clássica deu azo, na adolescência, à rebeldia do Punk Rock.
“FEDUP74”
Tudo começou precisamente aí, se recuarmos bem a bobina. Com 16 anos ajudou a fundar os Fed Up 74. O projeto começou como um hobby entre amigos, mas ganharia asas mais tarde, quando o então quarteto, começou a ter repertório e deu asas à ambição.
Por cá tocaram alguns concertos, mas Portugal não era propício ao estilo de música do grupo, então, movido também pelos seus ídolos, “Fonzie”, banda portuguesa de Punk Rock que obteve notoriedade mundialmente, decidiu dar o salto e mover-se para um ecossistema mais ambientado às suas ideias.
"6 MESES QUE SE TRANSFORMARAM EM 14 ANOS"
O projeto era ficar 6 meses na Alemanha, gravar um álbum, mas, com as vicissitudes e a fortuna do destino, a coisa ganhou uma proporção muito maior do que alguma vez pensara.
Quando chegou ao país alemão deparou-se com um estúdio que o aguardava, mas que, para o seu espanto, ainda não estava pronto. A decepção da banda foi grande, mas isso não os desanimou. Foram vivendo de casa em casa de pessoas que conheciam espontaneamente. Ajudaram a acabar o resto que faltava da construção do estúdio, tocaram na rua, sem sequer dominar a língua do país e, de repente, um clã de fãs diante de si.
Os FedUp74 um ano depois estavam a tocar o concerto de abertura para a Pink, diante de 10 mil pessoas. O feito, que talvez nenhuma banda tirsense logrou, foi conseguido após vencerem um concurso de artistas promissores. O álbum esse eventualmente foi gravado, mas foi preciso muito esforço e sacrifício.
“Estivemos um ano a trabalhar e a juntar dinheiro para podermos subsistir na Alemanha. Na altura, éramos tão naives que pensávamos que 1500 euros por pessoa ia chegar para 6 meses”, admite em jeito de brincadeira.
A aventura foi grande. Robert confessa ter dormido em sofás de pessoas que nem sequer conhecia, “até arranjarmos uma casa própria”.
O AZAR QUE FOI UMA SORTE
Para o criador do projeto “Multitracks” e para o resto da sua banda da altura, as coisas não começaram da melhor forma.
“Na fase inicial estávamos sempre em contacto com o Max, a pessoa que nos convenceu a vir para cá [Alemanha]. Um amigo dele estava a montar um estúdio novo. Tinha-nos dito que em julho o estúdio iria estar pronto. Mas quando chegamos nessa altura não estava terminado. Começamos a procurar salas de ensaio e a fazer música na estrada para juntar mais dinheiro... até porque demos conta rápido que os 1500 euros não iam chegar para os 6 meses”, graceja.
A experiência de ter que tocar na rua marcou Robert Ribeiro. “Tivemos que perceber como funcionava o sistema cá na Alemanha. Em Freiburg só se podia tocar, na altura, a partir do meio-dia até às duas da tarde, e depois das 16h até às 18h00. Só se podia tocar meia-hora num sítio, o que quer dizer que tínhamos que mudar constantemente de zona”.
“Fazíamos música na rua durante 4 horas por dia, a maior parte dos dias da semana e depois fomos ajudar na construção final do estúdio, a montar as paredes, entre outras coisas. Foi uma experiência boa porque aprendemos muito sobre som e acústica, o que me veio a dar jeito mais tarde, principalmente quando montei os meus próprios estúdios”, diz.
Foi assim que Robert e a sua banda começaram paulatinamente a conhecer mais pessoas do meio. “Passamos a ser convidados para festas. Acharam interessante a nossa história e o facto de termos ido para um país praticamente sem dinheiro e sem dominar a língua”.
"A RUA E A RÁDIO"
Entretanto houve uma rádio que convidou a sua banda para serem alvo de uma entrevista ao vivo. O feedback foi instantâneo. “Algumas pessoas ligaram a pedir para tocarmos músicas nossas. Conheciam-nos da rua! Foi aí que percebemos que tocar na rua, muitas vezes é um bom meio para obtermos notoriedade e ganhar fãs”.
Mas foi preciso perder um pouco a vergonha. “Tivemos que perder um pouco o medo. Estar a tocar na rua é uma coisa um bocado mais íntima do que estar a tocar num palco com luzes, com uma aparelhagem, guitarras elétricas e a música alta. Quando estamos na rua a tocar guitarra acústica é tudo muito mais íntimo e foi preciso aprender a enfrentar esse medo. Na altura, só tínhamos guitarras que nos foram emprestadas por pessoas que fomos conhecendo”, diz. “Eu era baixista e foi aí que eu comecei a tocar guitarra. Toda a gente tinha que se adaptar e improvisar”, afirma.
"ADAPTAR PARA SOBREVIVER"
“Foram experiências muito interessantes porque em Portugal, admite, notava-se que as pessoas não estavam tão habituadas ao género da nossa sonoridade e aqui as pessoas reagiam de forma diferente. Começavam a dançar a fazer stage dive. Foi uma experiência que eu nunca tinha tido em Portugal. O público estava a gostar tanto da música que nos impressionou”.
Em Portugal, diz Robert, o Punk Rock não estava muito em voga, tirando no Porto e Lisboa. O ambiente era mais propício para o surgimento de bandas na Alemanha, enquanto que em Portugal, “é difícil encontrar bares para as bandas que estão a começar poderem tocar”.
É um mal generalizado. Robert acredita que Portugal deveria ter mais espaços culturais e lúdicos para dar mais oportunidades às jovens bandas.
Depois de vencer o concurso em 2007, “de repente começamos a receber mesmo muitos emails para começarmos a fazer mais concertos. No ano seguinte fizemos cerca de 40 concertos e estávamos quase todos os fins de semana com atuações”, diz.
Um ano mais tarde, os FedUp74 lançaram o seu primeiro EP em julho de 2008 e o tirsense Robert começou a ganhar cada vez mais gosto pelo lado logístico da música. No bar “Kamikaze” em Freiburg tratou praticamente sozinho da organização do concerto para a sua banda e desde então nunca mais parou.
O espetáculo encheu completamente o espaço. “Correu muito bem. Comecei a dedicar-me cada vez mais a isso, a um ponto de ter ficado com a minha agenda cada vez mais preenchida. Mas o stress não ajudou e comecei a perder o ânimo inicial que tinha anteriormente com os FedUp74”, diz.. “Em 2009 estávamos a tentar escrever músicas novas e a coisa não estava a funcionar. Talvez o problema tenha sido o facto de termos estado juntos praticamente 24 horas todos os dias da semana durante dois anos. Estávamos a passar demasiado tempo juntos, o que se tornou contraproducente”, continua.
Nesse ano foi aí que Robert decidiu tirar uma pausa da banda e ingressou como guitarrista noutra chamada “Twice a Day” e relembrou-se da emoção que sentia inicialmente quando entrava numa sala de ensaios no passado.
“Relembrei-me a razão pela qual eu queria fazer música,” continua. Robert nunca mais continuaria a tocar com os FedUp74, mas esta ainda fez um álbum. “Somos amigos, continuamos a falar e ainda temos alguns projetos juntos”.
“TWICE A DAY”
Com os “Twice a Day”, Robert fez, como músico, a sua primeira tourné pela europa, a primeira de muitas que se iriam seguir, mais tarde como técnico de som. Mas a música por si só não pagava todas as contas, e depois de ter montado palcos a part-time para alguns dos melhores artistas do mundo, decidiu formar-se em 2011 como Educador de Infância, trabalho que ainda hoje exerce, ao mesmo tempo que continua no mundo musical.
Robert Ribeiro é agente de bandas, Promotor, Técnico de Som, Produtor e Vice-presidente da “Multicore”, entidade por trás do projeto “Multitracks”.
O tirsense diz que ficaria contente se no futuro este modelo inventado por si chegasse também a Portugal.
Os interessados em conhecer o trabalho de Robert Ribeiro podem consultar o Facebook Live Stream na página oficial do tirsense, ou da “Multicore” e conhecer, para além de técnicas de mistura de bateria, a experiência pessoal de Zock, baterista dos Petrol Girls.